Por que a Dipirona, proibida em muitos países, é permitida no Brasil?

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Pode até parecer estranho. Os brasileiros estão tão acostumados com a dipirona, presente sozinha (como genérico, na Novalgina e similares) ou em associações (Dorflex, Neosaldina, Lisador, etc.), que a maioria nem imagina que esta substância seja proibida nos Estados Unidos e em muitos países da Europa.

A dipirona (também conhecida como metamizol em Portugal) foi desenvolvida na Alemanha, em 1920, pelo laboratório Hoechst. Após 2 anos, ela já estava disponível comercialmente, sendo vendida nas drogarias, inclusive no Brasil, com o nome comercial Novalgina, e permaneceu sendo amplamente utilizada em todo o mundo até as décadas de 1960/70.

Nessa época, começaram a surgir estudos relacionando o uso de dipirona ao aparecimento de casos de agranulocitose.

O que é agranulocitose?

É uma alteração do sangue, caracterizada pela redução acentuada de células de defesa (granulócitos), que são subtipos específicos de um tipo de célula sanguínea, os glóbulos brancos. Os sintomas da agranulocitose incluem: dor de garganta, febre, cansaço excessivo, infecção do trato urinário, lesões boca e/ou na faringe, inflamação da gengiva.
A agranulocitose por si só não leva ao desenvolvimento de sintomas. No entanto, devido aos baixos níveis de células de defesa, a pessoa fica mais suscetível ao desenvolvimento de infecções, o que provoca o aparecimento dos sintomas, podendo ser grave e até mesmo fatal

Um estudo, publicado em 1964, calculou que a agranulocitose ocorreria em 1 a cada 127 pessoas que consumissem a aminopirina, uma substância cuja estrutura química é bem parecida à da dipirona.

Aminopirina
Dipirona

                                                                                         

Baseando-se nessa semelhança, os autores do estudo não fizeram distinção entre as duas moléculas e assumiram que os dados obtidos para a aminopirina seriam também aplicáveis à dipirona. A partir desta e de outras evidências, o FDA (agência regulatória dos Estados Unidos), decidiu que a dipirona deveria ser retirada do mercado americano em 1977. Essa decisão foi seguida por Austrália, Japão, Reino Unido e diversos países europeus.

A partir da década de 1980, porém, começaram a surgir novas evidências sobre a segurança da dipirona:

O Estudo Boston, realizado em oito países (Israel, Alemanha, Itália, Hungria, Espanha, Bulgária e Suécia) envolvendo dados de 22,2 milhões de pessoas, obteve resultados que encontraram uma incidência de 1,1 caso de agranulocitose para cada 1 milhão de indivíduos que usaram a dipirona — considerada uma frequência muito baixa.

Em Israel, outro estudo, realizado com 390 mil indivíduos hospitalizados, calculou um risco de 0,0007% de desenvolver agranulocitose e de 0,0002% de morrer em decorrência dela.

Já na Suécia, que havia voltado atrás e liberado a dipirona brevemente nos anos 1990, foram detectados 14 casos de agranulocitose possivelmente relacionados ao tratamento, com média de 1 caso para cada 1.439 indivíduos que tomaram esse fármaco. Essa frequência mais alta, aliás, fez com que o país voltasse a proibir sua comercialização novamente em 1999.

Qual o motivo desses resultados tão conflitantes?

Não se tem uma resposta definitiva, porém alguns fatores podem ajudar a explicar:

  • Existe uma mutação genética que parece facilitar o aparecimento da agranulocitose em alguns indivíduos que usam dipirona. E sabe-se que essa mutação é mais comum em populações dos Estados Unidos e de partes da Europa.
  • Dosagens mais altas e uso por tempo prolongado também poderiam influenciar neste risco, embora na própria bula da Novalgina conste a informação de que o aparecimento da agranulocitose “não é dose dependente e pode ocorrer em qualquer momento durante o tratamento”.

E por que a dipirona é permitida no Brasil?

A dipirona foi alvo de uma grande pesquisa realizada na América Latina que ficou conhecida como Latin Study.

Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, cientistas do Brasil, Argentina e México analisaram dados de 548 milhões de pessoas. Nesse universo, foram identificados 52 casos de agranulocitose, o que representa uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano.

Pouco antes disso, em 2001, a Anvisa realizou um evento chamado “Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona”, em que foram convidados especialistas brasileiros e estrangeiros. Concluiu-se, deste evento, que há consenso de que a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável, e que os riscos atribuídos à sua utilização na população brasileira são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado.

Podemos concluir, portanto, que a mutação genética que pode facilitar o aparecimento da agranulocitose em algumas pessoas que usam dipirona não parece estar presente em larga escala na população brasileira, e que, pelos resultados dos estudos realizados em nossa população, a dipirona é um medicamento seguro quando utilizado dentro das doses recomendadas e respeitando-se as contra-indicações e precauções.

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